Não tenho filosofia. Eu tenho poesia

Aos 5 minutos na rodoviária.



Muitas ideias partiram sem ao menos sentirem a superfície calorosa do papel que sempre trago em minha bolsa. Engraçado que, como as paixões, elas vêm nos momentos de distração, enquanto você observa pessoas passando ou como o ônibus está sujo, ou tão velho, ou... aí! É exatamente aí que elas aparecem. Assim. Surgem do nada, das entranhas do raciocínio e assalta a pessoa. Boas ideias nasceram nesses momentos. E quantas outras se perderam. Como se perde o ônibus na própria rodoviária. Você vê partir, você até sinaliza, mas já é tarde. Há um sofrimento momentâneo -  como aquele beijo dado numa despedida sem se despedir. Depois, um lamento. E, por fim, a conformação. Não se chora por leite derramado nem por poemas perdidos. Mas eu garanto, a rodoviária está cheia deles. A correria - a minha "correria" - tem-me feito perder muitas palavras, muitas ideias. Não dá tempo. Às vezes, simplesmente não dá tempo de parar para escrever. Escrever e pensar talvez sejam coisas do ócio. Se o trabalho é necessário, imagine o ócio...



Às vezes me pego de uma ideia. Na rodoviária, aos 5 minutos do ônibus chegar. Não vai dar tempo. A mão não consegue psicografar o pensamento. Sinto a ideia quente se esvair. A necessidade. A ânsia. Os ônibus ligam os motores. Em breve ele chegará roncando. Vão me deixar surda. Não consigo ouvir meu próprio pensamento. Olhos vermelhos. Pés doendo. A luz branca da rodoviária me faz forçar a vista. Nem quero olhar o relógio! Ande logo, mão. Ande logo. Lembro-me de uma pessoa de que não queria me lembrar. Torturo-me, questionando a mim por quê? Que droga, agora você só trabalha; não vai enriquecer com isso – e tampouco é desejo meu enriquecer. O que seria isso? Só queria ter mais tempo. Mais tempo. Trabalhar menos. Ter mais tempo para sentir o prazer de viver. Eu me desgasto. A minha profissão me desgasta. O que posso fazer? A ideia quente – agora agonizante nos últimos minutos até a chegada do monstro de rodas – vai se desfazendo, desfalecendo, queimando-me por dentro. Qual era o tema? Tempo; cansaço; escrita. Nem me lembro mais...
por Elayne Amorim

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