Não estamos acostumados ao amor incondicional. Não
fomos educados para isso. Quando surge um ser capaz de oferecer um sentimento
verdadeiro sem querer ou pedir nada em troca, simplesmente não aceitamos.
Procuramos defeito. Esperamos que o tal ser erre – e ele vai errar mesmo,
principalmente se for humano. As pessoas normalmente não compreendem que outros
possam se doar, possam fazer o que se classifica como “bem”, que possam sentir
algo sublime apesar de. As pessoas querem sempre entender, procurar o que não
há onde realmente não há. Sempre foi assim? Se não houver
interesses materiais, algum interesse... – poder, dinheiro, status, sexo, algum
tipo de troca seja ela qual for – não pode ser real, não pode ser verdadeiro.
Talvez por isso tenham classificado o cão como um dos mais leais: não é de sua
natureza abandonar o dono, mesmo que escorraçado por este. Você pode não
alimentá-lo bem, pode proferir ásperas palavras, pode até bater nele... o cão mostra-se
leal. Porque lealdade não tem feito muito parte do vocabulário humano. Porque lealdade e incondicional são palavras abastadas demais para nós. Longe de
nossa compreensão, achamos não mais capazes de exercê-las os próprios nós
mesmos, humanos. Não estamos acostumados a cuidar ou amar simplesmente por
cuidar ou amar. Os animais fazem isso que seja pela própria preservação da
espécie. Nós não. Nosso sentimento, nosso “amor”, requer posse. “meu amor meu marido minha mulher meu amigo meu cachorro meu meu meu
minha minha minha”.
Não estamos acostumados com sentimentos puros ou
nobres. Não estamos acostumados a dar uma roupa para um necessitado sem ao
menos pensar que essa pessoa poderia estar trabalhando, que talvez ela vá jogar
fora ou nos perguntarmos se ela precisa mesmo daquilo. Não estamos acostumados
a fazer algo por alguém e esquecer; simplesmente fazer e pronto. Não estamos
acostumados a perdoar às pessoas, esquecendo-se de que podemos ser tão
imperfeitos e decepcionantes como elas foram conosco. Não pode haver bondade se
não houver algo em troca. Não podemos exercer a humanidade se não houver alguma
recompensa.
Assim tem sido.
Talvez por isso chamamos de tolos àqueles que
fazem, que amam, que praticam algum bem. Talvez por isso tomamos a verdade como
“nossa”, a religião como “minha”, e Deus como o “meu”. Se não for meu não
presta, não serve, ou é meu ou não é de ninguém. Privamos aos outros e a nós
mesmos da liberdade. Temos vontade de voar, mas tememos as asas. Não estamos
acostumados com a sensação do não saber, do apenas sentir. Como desapegar? Como
é difícil pegar algo “meu” e simplesmente dá-lo a alguém. Sem querer nada em
troca. Queremos gratidão – que seja. Nem todos sabem ser gratos. Será que nós
mesmos sabemos? Como é difícil deixar que o meu
deixe de ser meu. Pior: reconhecer
que não existe essa de meu, isso é uma ilusão. Ah, como seria bom amar como as
aves que vivem livres pelos ares. Doar-se sem se doer. Acho que depositamos
tantas cascas sobre nossa essência humana – oh, sim, temos até motivos, já nos
machucamos bastante – mas essas cascas grossas repletas de posses e apegos; de
egocentrismo e senso comum; de ciúmes possessivos e desejo de que tudo seja do
nosso jeito... Essas cascas nos tiram o que de melhor a humanidade tem a
oferecer.
Devem existir pessoas realmente livres, o mundo é bem
grande, deve haver, com certeza. Pessoas que exercem sua humanidade, pessoas
que amam, pessoas que ajudam, que se doam. É sempre tempo de resgatar o que há
de melhor em nós. É sempre tempo de repensarmos. De nos modificarmos. É sempre
tempo de paramos de nos referirmos às pessoas, coisas, animais... como meu minha. Nada nos pertence. Nós é que
pertencemos ao Tempo. E ele passa rápido demais para não nos arriscarmos a
simplesmente sermos humanos, a simplesmente amarmos em entrega total, sem
querer nada em troca.
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