Não tenho filosofia. Eu tenho poesia

DIÁRIOS E SOLIDÕES


- Bem, tenho que ir... valeu! – como era tola, versaria a poeta em produções futuras. E ela se foi.
- Adeus, minha última poeta – confessa o professor às carteiras solitárias daquela sala de aula vazia, enquanto uma poeira de sonho e giz encobre a eternidade daquele momento.

Com esse trecho do emocionante conto “A última poeta”, inicio a postagem de hoje do “Li e gostei”. Trago aos leitores alguns pequenos trechos dos contos tensos e solitários do poeta e amigo Carlos Brunno S. Barbosa.
Num estilo seu e que foge ao comum, o livro de contos “Diários de Solidão - Quando a ausência faz companhia” traz a nós as diversas solidões cotidianas daqueles personagens comuns da vida com suas dores, frustrações, (des) esperanças, amores e rancores ocultos; aqueles seres humanos – como nós ou nós mesmos – com sentimentos e emoções que muitas vezes passam despercebidos, embaçados sob nossos olhos apressados...
Uma ótima leitura que, certamente, não deve passar despercebida...
Compartilhamos as solidões literárias, a solidão dos poetas que traduzem as suas e alheias dores, a solidão desses seres inquietos que usam a palavra – ou melhor, são usados por ela – como uma ferramenta, uma força oposta à nossa inércia. O fato é que, mesmo em meio a multidões, podemos estar sozinhos, solitários, únicos, intrincados em nossas próprias angústias e sonhos interrompidos, enquanto que, para o restante dessa multidão, mostramos máscaras para disfarçar nossos sentimentos...


E Isaura sorriu pra mim.
- Você é sempre assim?
- Assim como?
-Assim... Calado...
E eu esperava tudo: um frívolo ‘Olá’, um estúpido ‘Eu te conheço de algum lugar?’, um tradicional ‘Posso me sentar aqui com vocês?’, eu esperava tudo, tudo, menos aquela pergunta, menos aquela invasão de privacidade, aquela constatação de meu silêncio, que, paradoxalmente, me fez falar – como era difícil comunicar-me! Palavras exigem esforços sobre-humanos quando se tem dezesseis anos.
Dezesseis anos...
(O romance inacabado de Murilo)

Empertigado, Montgomery Cliff contempla o cenário patético e zomba dos farelos humanos:
- Au, au, au!
Fim de festa. Família pra casa. Mimi ainda trabalha. Gugu, muito bebum, liberta o totó de Teté. Gugu pesa a corrente, pensa na dureza; bebida faz Gugu pensar.
Diante da aparência parva de seu senhor, Montgomery Cliff sensibiliza-se e, enternecido, ensina ao seu estúpido dono pequenas lições de astúcia e esperança:
- Au, au au au, au au au, au au au...
Ilusionado pela inércia amistosa de seu dono, Montgomery Cliff, num ímpeto de solicitude aos desvalidos, salta sobre seu miserável proprietário e o lambe.
- CACHORRO ESTÚPIDO! – Gugu empurra Montgomery Cliff e vai dormir.
(Mundo cão)

Vida obscura
Passeia pelo clube lotado com um solitário sorriso nos lábios.
A multidão repara na passagem sombria desse festivo fantasma.
            Você o conhece? Nem ele.   

São duas horas de alguma madrugada. Bebo uma cerveja barata (hoje estou sem dinheiro), amanhã uma conhecida, depois de amanhã qualquer outra marca. Sou um alcoólatra volúvel: no copo sujo do botequim, todas as cervejas são iguais. (...) O Bebo, logo desisto. Desisto de entender os telejornais que passam em sussurros na TV do canto do bar – a realidade é um quase silêncio no canto do bar. Desisto de compreender os companheiros loucos que exibem como notícias polêmicas e informais no centro desse mesmo bar – são membros do melancólico realily show da solidão coletiva do botequim.
(O exilado de lugar nenhum)

Noites Na Taverna

- Eu Bebo Sim!... – A Última Confissão Antes Da Vertigem.
Adormece No Balcão Mais Um Registro Humano Dos Amores Impossíveis.

Sempre esperei conhecer o mundo, mas me esqueci de dizer ao meu vizinho: “bom dia, como vai você?”. Sempre esperei um mar de rosas, mas me esqueci de colocar as sementes no mar. Sempre esperei um feliz natal, mas me esqueci de entender o sentido do nascimento de Jesus. (...)
(Falsa expectativa)

Carlos Brunno possui vários livros de poesia já publicados, este – Diários de Solidão – foi o seu primeiro em prosa. Para ler mais de suas obras, acesse:
http://diariosdesolidao.blogspot.com/

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