Não tenho filosofia. Eu tenho poesia

Eu só queria dizer.

Eu só queria dizer que. Sim, acho que me entenderás, porque eu só queria dizer isso e nada mais. Meias frases? Pra que completá-las se tu já sabes o que virá depois da conjunção, depois do verbo o complemento bobo, tolo... um advérbio de tempo talvez, ontem, amanhã... Pra que então dar-me ao trabalho de completá-las. Elas me traem, como meus próprios olhos me traem. Amigas, as palavras? Talvez tuas, não minhas. Elas me obrigam a falar, a não calar, juntam-se ao meu próprio fogo arraigado dentro de mim e fazem-me expandir enquanto o que eu queria mesmo. Não, não completarei, nego-me. É que. Eu só queria dizer. Uma coisa. Que pode ser uma coisa ou um sentimento ou uma sensação ou. Sei que é sem nome. Não há palavra para traduzi-la. É boa, mas dói. Algo lancinante e quanto mais me atravessa mais quero senti-la, apesar dos desesperos que me causa e dos medos sem fundamento e das confusões que faço com as frases e as exclamações deixando furos poéticos e antipoéticos pelo caminho afora. É uma coisa. Mas não é uma coisa. Simplesmente é. Existe. Dentro de mim. Como aquelas coisas vorazes que correm pelas florestas das nossas ilusões e nos devoram e quanto mais nos devoram mais queremos ser devorados. Eu na verdade não queria dizer, queria traduzir sem palavra. Sem verbo. Sem nomes. Em toda sua essência inexplicável, como os seres inexplicáveis que povoam a mente dos poetas e dos loucos. Sei que é pungente pulsante dolorida vital que me faz sorrir e desesperar. Tem nome? Não, a minha poesia não sabe nomear, minha poesia não serve para nomear. Sugerir talvez, mas a coisa é tão aguda e grave que nem sei sugerir. É tão maravilhosamente assustadora que minha poesia ínfima se esconde por detrás dos pontos antes de acabarem-se as frases. Eu só queria dizer que. Eu só queria dizer. Eu só queria. Eu só. Eu. Tu. Podem se tornar nós, no abismo profundo das expressões mais simplesmente mirabolantes assim explodindo numa tarde de verão ou numa noite floresta adentro cheia de fantasmas invisíveis de nós mesmos. Eu só queria dizer que.
por Elayne Amorim

Um comentário:

Anônimo disse...

Olá Elayne. Confesso que já li o seu texto há algumas horas: fiquei mudo.
Hoje regresso e já sou capaz de balbuciar qualquer coisa. Parabéns pelo talento e muito obrigado por o
partilhar. Um abraço e bom fim de semana.