Não tenho filosofia. Eu tenho poesia

PROTEJA-ME


Proteja-me da sanidade do mundo
Não, eu não quero ser como todos
Eu não quero permitir a maldade
Dar-me por vencida, entregar meus sonhos
Ao relento da realidade aparentemente inalterável

Proteja-me...
Prefiro nossa insanidade juntas
Ao bom-senso do senso-comum
Da rotina cansativa de todos os dias

Que explodamos em inverdades!
Que desvendemos os mistérios!
Aqueles bem indisvendáveis
Mas eu só não quero
Cair na sanidade do mundo

Proteja-me, com teus versos
Com teu olhar abafado, com teus braços
Não me permitas fugir para a claridade obscura
Das verdades hipócritas, das realidades inóspitas
Confiarei em ti...

Já pensei até em desistir
Já pensei em recuar de novo pra dentro de mim
Como gato acuado por cães medonhos
Mas eu prefiro a loucura dos sonhadores
Eu prefiro, eu quero, não deixes me perder

Proteja-me da sanidade...
Ainda acredito no impossível
Quero tocar o que não pode ser visto
Quero extrair beleza das doloridas vivências
Quero sofrer e sorrir o improvável, mentir pra verdade
Debochar dos sãos, desestruturar os impérios a que nos impuseram

Porém, sem a tua proteção
Tudo será mais difícil
É solitário demais quando não estás
Chego a duvidar de que existo
Pareço miragem num horizonte longínquo
Saber que estás aí já é alento

Sinto-me verso não escrito se não falas
A sanidade torna nossos olhos brancos,
A realidade congelada, não pensamos
A sanidade faz mal aos poetas
Proteja-me, portanto!

Que caminho contra a maré, que nado contra a multidão
Que propago à luz de velas em versos esperanças voláteis
Quero músicas novas que me façam sorrir metáforas
Não a repetição das mesmas frases feitas, não quero saber
Não pretendo morrer à beira de uma praia sã e vazia
Proteja-me da sanidade, que o mundo tenta me curar
Eu não quero me curar... eu não quero me curar...
Eu não quero deixar meu rastro se apagar...
Eu não quero deixar minha alma se calar...
Proteja-me...
Tape meus olhos com o colorido da natureza
Venda meus olhos com teus versos puramente toscos
Tape meus ouvidos com o som da vida batendo em teu peito

Eu quero o lugar-incomum, frases desfeitas
Verdades antigas, operar versos em dores alheias
Escrever como se fosse a última e reler como se fosse a primeira
Vez...
Amar no lugar de enraivecer, perdoar no lugar de lembrar
Gritar no lugar de ceder, escrever no lugar de me petrificar
Pra que estagnar se posso voar?
Pra que copiar se posso imaginar?
Pra que acordar se trarei sempre essa noite em mim
Meus pesadelos são poucos, o que vejo são os outros
Que não veem, que não ouvem, que não falam...
Tantos que já desistiram antes mesmo de iniciarem...
Minha vida é minha poesia e minha poesia é insana
Não permitas arrancarem a poesia de mim
Que poesia é coisa feroz e tentam limitá-la com sanidades

Proteja-me!
por Elayne Amorim

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