Não tenho filosofia. Eu tenho poesia

Des-zelo



Às vezes descuido das coisas. Dos animais. Não é bem um “descuido”: falta de zelo, de atenção. Meus cavalos estão peludos, não é apenas resultado do frio. Uns pelos longos e feios. Queimados. Teimosos em não se desprender do couro, em não se arrebentar, evidenciando o quanto ando me esquecendo, ou me esquivando, de cuidar deles. Conversar com eles. De passar a mão, que seja, sobre seu lombo. De parar a olhá-los a comerem, a ouvi-los estalando a ração nos dentes. De dizer-lhes que realmente meu amor não mudou, eu é que mudei; de dizer-lhes que realmente o tempo me anda escasso devido aos afazeres que se multiplicaram e se multiplicam e eu, às vezes, me perco no meio de tudo isso. Um gosto pelo ócio que tenho e que não sei explicar: não se trata de preguiça, é simplesmente falta de ter tempo. De olhar a tarde. De ouvir a natureza. De visitar uma amiga. De selar o cavalo, de manhã, e sair sem destino, na ilusão de que encontraremos, ao entoar do vento que nos acompanha, um portal mágico que nos transportará para um outro mundo. Se há uma coisa que faço é cumprir com meus compromissos, mas detesto sentir quando algo não faz sentido. Quando a tarefa perde o brilho. Ando me alavancando em estruturas que parecem desmoronar, que desafiam meus ideais, minhas crenças, minha palavra. A tarde não desmorona. Nem a natureza. Nem a amizade. Nem o cavalo. Mas a correria... esta não parece fazer tanto sentido, retira o romantismo do romance. Retira a reflexão. Não dá tempo para respirar. Eu preciso respirar. Eu preciso criar forças, restaurar forças e enxergar o que a poeira do desmoronamento anda tapando de meus olhos. Não gosto de descuidar das minhas coisas. Principalmente não dar atenção aos meus animais. Às minhas plantas. Os seres vivos que precisam de mim e eu deles. Talvez, eu mais deles. Eles me ouvem. Eu os ouço. E conversamos. Não se trata só de comida ou água, é maior. É uma vivência. Como escrever. Até mesmo as palavras andam meio abandonadas, desarticuladas. E eu também, desarticulada. Com o mesmo amor a oferecer, com o mesmo sentimento latente e inquieto, com o mesmo cavalo selvagem incontido... No meio da pressa, meus eus se debatem procurando uns aos outros. Desarticulados – eu – desarticulada.
por Elayne Amorim

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