Após seus
corações serem destruídos
Tudo o que
lhes restava era prosseguir
Mesmo após
todos os infortúnios que lhes eram impostos
Tudo o que
restava era prosseguir
Como
interromper a vida?
Por que
carregar a culpa eterna de interromper a vida?
Isso não valeria
a pena
O jeito
era prosseguir...
Mesmo se
arrastando com as asas sangrando ao chão
Mesmo
tendo suas peles esfoladas, sua honra roubada,
Sua
herança jamais poderia ser retirada
Mesmo que
dilacerassem suas almas
O que
resta senão prosseguir?
Alguém se
lembraria delas?
Como suas
histórias seriam contadas
Caso
fossem contadas...
Ah,
mulheres do passado
Dos
passados mais remotos
Sinto sua
dor arder em minha pele
Posso até
sentir o calor das palavras ou das fogueiras
Mas não
sei se suportaria tanta dor!
Ah,
mulheres que se calaram durante séculos e séculos e séculos
Que
tiveram suas vozes caladas, submissas, alienadas, castigadas
Em minha
célula há uma membrana de suas dores eternas
O presente
possui uma dívida com o passado que jamais será paga
O presente
ainda pretende massacrá-las!
Com o
consentimento das mulheres presentes
Mas eu não
quero me calar, quero vencer o medo assolador
Qual
história nos foi contada?
A mim,
nenhuma, fui descobrindo, senão por palavras
Por
sentimentos e sensações e vivências antigas
Vosso
sangue corre em minhas veias, o sangue das antepassadas
Sofrestes!
Mais que alguém suportaria sofrer
Sempre
disseram para serem fortes!
Mulheres
das lágrimas! Mulheres das orações! Mulheres das curas!
Sempre lhe
ensinaram alguma coisa e pouco aprenderam de vós!
Estampado
em mim vosso sofrimento e vossa angústia talhada no silêncio
A me
cortarem como flechas ao vento cada eco seu!
Ouço
vossos gritos, vosso pranto, vossa oração, vosso clamor
Ouço vosso
canto, vosso gozo, vossa louvação e vossos gritos
Ouço em
cada parte de mim vossos erros e acertos
Ouço
principalmente vosso silêncio
E a poesia
que em mim habita é oriunda dos tempos que habitam fora do tempo
E todas
vós reunidas na fogueira das bruxas, loucas ou santas
Todas vós
vivenciaram podridões que poucos ousariam contar
Em nome da
absurda moral das sociedades
Pagaram um
preço que certamente
Não foi a
condenação de Deus
Vós,
mulheres do passado, os erros se repetem no presente!
Fogueiras
morais, mortais são acesas a todo o tempo
E a dor
perpetua-se pelos séculos e séculos e séculos
Uma dor
que não é contada, que não se sabe se será contada
Silêncio
entre paredes
Gritos
entre dentes
Modos
civilizados de se comportar – para as mulheres
Abusos,
violências, compra e venda, consumo
Produto,
muito bem civilizado, obediente, sorridente, bem vestido
Bancada,
perdida, usada e feliz! E Feliz! É assim a imagem vendida
Na culpa
que nos levará ao inferno, em nome de Deus!
O Deus
compassivo e inquisidor que as igrejas vendem
A imagem
de um Deus masculino que odeia as mulheres
Para que
assim a “sociedade” possa continuar com seus absurdos
Eu sinto o
clamor daquelas mulheres atravessarem minha pele
Eu sinto a
dor de ser mulher num mundo que parece não ter sido feito para ela
Eu sinto,
eu ouço, bem forte em mim, o clamor eterno
Eu
sinto... cada mulher em mim
Elayne Amorim