Não tenho filosofia. Eu tenho poesia

A escolha certa...



Um dia desses, estava respondendo a um questionário do estado... aí uma pergunta, um tanto ambígua, ficou norteando pela minha cabeça. (Em relação a minha profissão) Você se sente gratificado?
?
Não havia especificações se era do ponto de vista pessoal ou financeiro. Fiquei a pensar... com a frase na cabeça boa parte do dia.
Financeiro, é claro que não, pois não somos devidamente remunerados como deveríamos ser, precisamos trabalhar muito, até mesmo em vários lugares para termos boa estabilidade financeira.
Mas aí, pensei, e eu? EU me sinto gratificada? A minha profissão me faz feliz?
Noutro dia mesmo postei um texto em que compartilhava a angústia minha e de colegas, o quanto a educação é algo desafiador e por vezes pesaroso...
Pensei nas aulas, nas turmas, nos alunos... No tempo que gasto em casa para preparar uma aula pra eles, muitas vezes relembrando matérias, estudando, fazendo e conferindo provas de vestibulares, Enem, essas coisas que fazemos para nos mantermos atualizados e prepará-los o melhor possível.
Lembrei-me de olhares apáticos de adolescentes que não se deram conta ainda por que estão numa sala de aula, gritos agitados de crianças que quase me enlouquecem com sua euforia viva. Lembrei estresses, palavras, frases, circunstâncias nem sempre agradáveis que fazem parte do nosso ofício.
Aí pensei, o que eu seria se não fosse professora?
Não queria outra profissão. Ser poeta é profissão? Não, é loucura, missão, dom... menos profissão.
No mesmo instante lembrei-me das minhas aulas de literatura. Quando consigo levar a eles, aos adolescentes, os poemas vivos daqueles poetas mortos de séculos atrás. Quando percebo que eles se esforçam para entender a insanidade daquelas mentes, a linguagem tão aparentemente difícil pra eles. Quando os vejo desvendar a palavra – minha ferramenta, meu campo – quando ficam com os olhos fixos em mim enquanto viajo naqueles versos, enquanto tento ensiná-los que poesia é sentir, sentir, com o coração e com a mente. Quando eles compreendem. Quando alguns deles escrevem respostas melhores que as do gabarito do livro.
Se eu me sinto gratificada?
É claro que me sinto. Plantar sementes de conhecimento e sensibilidade numa realidade tão banal, fria e individualista como tem sido a nossa é quase um milagre.
Ver a evolução de um aluno seu, você perceber que ajudou alguém a crescer e perceber que a dificuldade de um aluno ajudou você a evoluir também, só quem já passou por isso sabe do que estou falando. É uma sensação maravilhosa.
Aí, vejo minha profissão paradoxal, ela nos leva aos extremos da satisfação e total frustração, seja por objetivos não alcançados, seja por remuneração não condizente com nossa formação e trabalho que realizamos.
Somos formadores de opinião. Será que todos os profissionais já se deram conta disso? Seja através de palavras ou atos, influenciamos, fazemos parte da formação de outros profissionais como também indivíduos, pessoas.
Se eu me sinto gratificada?
É claro que me sinto.
E, ao contrário do que já ouvi até mesmo de colegas de trabalho, se alguém dissesse pra mim que desejaria ser professor, eu incentivaria sim.
Eu não estaria feliz se simplesmente meu trabalho não me gratificasse, se não fizesse algo que desse felicidade primeiro.
Eu acho engraçado é que alguns ignorantes gostam de justificar seus argumentos fracos em torno do que dizemos. Existem frases assim... então, trabalhe por amor, não reclame do dinheiro...
Eu me pergunto: será que todos os médicos trabalham por dinheiro? Será que todos os dentistas, enfermeiros, advogados e tantos outros profissionais só escolheram o que escolheram por dinheiro? Bem, deixo esse debate para outro dia...
O fato é que depois daquele texto tão angustiado eu mesma me cobrei: e você? Diante disso tudo ainda possui sonhos, ideais, garra?
Hoje, mais do que nunca, respondi que sim. Há aulas redentoras. Há alunos bons, que querem aprender. Há a alma revivida das palavras, a revigorante magia dos poemas que circundam os olhares curiosos e descrentes de tantos alunos seus...
por Elayne Amorim

Um comentário:

Carlos Brunno S. Barbosa disse...

Lindo texto-crônica-reflexão-quase-prosa-poética! A única coisa que posso acrescentar é que também compartilho da sua opinião e, como professor, também me sinto gratificado por ter escolhido essa profissão, seja quais extremos de sensações tal opção gera no meu dia a dia. Parabéns, professora poeta, pelas brilhantes reflexões!