Não tenho filosofia. Eu tenho poesia

Um solo de uma nota só


Acordo para mais um dia de rock
Porque não importa a calmaria em meu olhar...
Dentro de mim enxurradas de lembranças!
Porque não importa a calmaria em meu semblante...
Dentro de mim despencam arrasadores
Sentimentos! Sentimentos! Não adianta
Eles despencam, batem, soam fino em minh’alma
E batem e ecoam e arranham, energizando...
Energizando, massacrando,
Batem em doses de dor e agonia
Caem, quebram, deixam em cacos o que sou
Arranham...

Não acreditem em meu rosto ameno
Máscara!
Não acreditem em minha voz mansa
Falácia!
Não acreditem na minha normalidade
Disfarce!
Não acreditem que sou isso que veem
Engano!

Sou exatamente o que não escutam, o que
Não percebem que eu sou
Recruto as noites todos os dias
Escondo-me sob os raios do sol
Tentando-me aquecer na vã de esperança
De não morrer de frio dentro da minha noite
Vazia.
Noites sem fogueiras acesas
Noites sem fogueiras acesas
Ouço uivos na escuridão...
Uma nota aguda da guitarra
Arranhando... uivando...
Um solo de uma nota só
Noites sem fogueiras acesas...

Eu prefiro assim, que não reparem em mim
Deixem-me estar na paz artificial da rotina
Que dentro de mim entendo-me com meus monstros
Impossível tapar os ouvidos – os meus ouvidos
Aos ecos e lamentos dos solos uivados das guitarras
Que insistem em arranhar minh’alma com as lembranças passadas
Sempre presentes
A me acusarem... a me recusarem... a me machucarem...
Noites sem fogueiras acesas...
Uma nota uivada ecoa pela minh’alma estilhaçada...
por Elayne Amorim

Cavalo pragmático

Acho que alguns seres já nascem prontos. É, assim, prontos. E não precisariam da nossa intervenção.
Vejamos o Thor. Não, o Thor não é o meu cavalo, mas as almas nossas já se pertencem. Esse cavalo nascera pronto, sinto que dispensaria qualquer artifício ou artefato humano para a sua “domesticação”. Um espírito forte, daqueles que se parecem com os ventos. A teimosia, a persistência em querer ou não querer, o olhar firme, decidido; passos igualmente firmes e macios. Talvez sejam essas algumas das características da sua personalidade.

Lembro-me do Thor antes de ser o Thor. Ele era só um cavalo xucro, garanhão e seu porte médio parecia ser imenso diante da gana de liderança entre os outros animais, em sua maioria, já domados. Lembro-me do curral cheio de cavalos e éguas e de que ali não estava o que procurávamos. O dono do curral pediu que buscassem o bicho, e não tardou. Como um apaixonado romântico vê sua alma gêmea pela primeira vez (mesmo que ele mesmo não saiba ser aquela a sua alma procurada...) meus olhos acompanharam aquelas crinas esvoaçantes pelo pasto afora; sua chegada ao curral, gerando rebuliço entre os outros animais e o relinchado poderoso demais para um cavalo de porte médio. Ele definitivamente não possuía porte médio ali, naquele reino de cavalos confinados.
Depois de havermos ter certeza de que sim, era ele, era aquele o que procurávamos (na verdade, já estava vendido para um amigo nosso, mas o homem do curral vendeu-o para nós, nosso amigo ficou feliz pela “pequena confusão”), depois, ele veio para a hospedaria. E foi aí, bem aí, que a parte humana pecou. Thor é um cavalo extremamente inteligente, mas extremamente resoluto. Seu primeiro contato com o cabresto não foi um sucesso e fora vencido pelo cansaço. Ele entendeu que aquilo não o machucaria, mas passou a ter medo de pessoas. Ah, e sua vontade de brigar com os outros cavalos custou muitos consertos em baias e cochos.
Sua domesticação ficara entre a racional e a irracional, nunca fora maltratado, mas certamente dera alguns pulos nas primeiras montadas e bronqueou-se com o ser que insistia em montar-lhe no lombo sem se explicar. Depois? A marcha natural e a imponência nata. O cavalo nascera pronto. O cavalo aprendia tudo o que lhe ensinavam e driblar-lhe a teimosia arrancava boas gotas de suor do cavaleiro. Teimosia essa provinda de seu medo de pessoas e sua personalidade forte.
Daria um livro só de contar tudo o que passamos juntos e tudo o que nos contaram as pessoas que dele cuidaram na hospedaria. E depois que veio morar em nossa chácara, como a coça que ele deu em meu cavalo, que tem o dobre de tamanho dele. Quem sabe, para o futuro...
Thor foi um nome humano perfeito para esse animal que relincha com a sonoridade de um trovão. É bom de ouvi-lo pela madrugada silenciosa enquanto a Lua despende do céu ou pela tarde, enquanto conversa com alguém do pasto distante. Estremece o corpo de ouvidos distraídos.
Mesmo depois de castrado – devido a tantas confusões e ao que mais prometia – podemos ver Thor correndo pelo pasto com a cauda embandeirada e relinchando para os vizinhos – e vizinhas. Apesar de ter-se acalmado e muito, ainda se vê como líder e não deixa de namorar sempre que encontra uma oportunidade.
O cavalo é minha conexão direta com a natureza. Posso dizer o mesmo das plantas de meu jardim, entretanto, o cavalo, me leva mais além. Tocá-lo é trazer um pouco dele pra mim e passar um pouco de mim pra ele. Há muito de inexplicável entre as sensações que trocamos, entre as experiências que vivenciamos juntos. Ele me desafia e me encoraja; ele briga comigo e, noutras vezes, deixa que eu brigue com ele.
A cada novo passeio, a sensação renovada, a troca de energias, nunca é igual. E, por vezes, triste, magoada com alguma coisa, o encilho e ele já sabe do pesar de minhas mãos e meus monossílabos tônicos. Saímos juntos e sós e desbravamos o mundo à nossa maneira. Esqueço do mundo humano com seus paradoxos. Voltamos para casa in-satisfeitos. Felizes, pelo conforto do descanso, a relva verde, um passeio tranquilo; tristes, por termos de domar nossas almas livres em terreno civilizado, humanamente civilizado. Ele me compreende e eu o compreendo. E nos respeitamos.
O Thor é um cavalo pragmático.
por Elayne Amorim

Hoje é dia da poesia, fala o eu lírico


Hoje é dia da poesia. Não, não é feriado. Não é dia santo. Ninguém vai parar o trânsito para proclamar este dia. Ninguém vai se vestir de preto ou de branco ou de vermelho por causa desta data. A realidade segue. Outros devem murmurar o que tenho eu com isso...? O eu lírico, esse estranho ser inefável que ninguém nunca vê, timidamente responde de seu canto... nada... só pra você saber... Hoje, é dia da poesia.
Dia comum, de verão, plena quarta-feira e já passou por aqui uma chuva impetuosa e rápida. A chuva alagou meu coração de palavras. Já fora logo cedo. Eu não reparei que já amanhecia chovendo em mim e a brotação esperada crescia. Deparei-me comigo sentada no quintal de uma casa onde morei há alguns anos, devia ter sete ou oito anos... Aquela coisa vinha e eu enxergava tosco – eu acho que nem era tosco porque também era belo. Para os outros era tosco. – Aquela coisa vinha e eu derramava sobre a folha em branco os primeiros versos... Ele nascia. Eu nascia. E aquela coisinha criança tímida e medrosa, que devia ter uns sete ou oito anos, me abafava dentro dela. Chamam-me de eu lírico, mas na verdade, eu não possuo nome ou então possuo vários.
Essa voz que vem de dentro de um-não-sei-onde que habita a alma humana e os corações controversos. Na verdade, receio que seja ilimitado, pois de tudo que falo não tem fim. Pois, além de habitar aquela criança antiga que hoje vem a ser uma mulher, habito outros mais... muito mais... homens, mulheres e crianças, a quem deixo o legado do olhar tosco, do comportamento excessivo, do coração sangrando. Não. Eu não causo dor. O que causo seja talvez um comportamento compulsivo obsessivo por procurar pérolas nos nadas.
Essa pérola é o que se chama de poesia. Trabalha-se, sua-se, gasta-se, desfaz-se, remonta-se e, acima de tudo, sente-se. De repente, como uma escultura feita de atmosfera líquida, ganha forma, ganha verso, ganha estrofe, transforma-se em poesia.
Aquela coisa vista-sentida-realizada dentro do mundo do poeta escorre para a realidade alheia chocando-se a outros mundos... não era ela, a criança; não era ela, a mulher; não ele, o homem: era eu, psicografada minha voz em forma de tinta e palavra sobre o sacrifício do papel. Na verdade, habito em todos, porém alguns tentam a abafar a minha voz. Porque poesia é coisa humana, uma forma de ver, uma forma de ouvir, uma forma de sentir; uma forma em múltiplas formas, um eu em muitos eus.
As pessoas têm medo de mim – voz que fala no poema – porque minha voz encanta, porque ela desafia a razão, porque ela está por detrás daquilo que não se pode ver com olhos comuns, nem tocar com mãos pesadas...
Hoje é dia da poesia. Olha o céu por mais de trinta segundos. Abrace o outro mais de dois minutos. Tente não compreender nada por mais de três horas. Não pense; agora é tudo o que existe. Eu – poesia – estou bem aí.
por Elayne Amorim

Dia da poesia

Compartilho com vocês alguns trechos de poemas que falam sobre a poesia. Não raro, todo o poeta, cedo ou tarde, se refere a ela – à poesia – numa busca infinita de seu significado ilimitado, numa procura de onde ela está. Dia 14 de março é dia da poesia. Ela é alimento para alma humana, uma forma de beleza através da linguagem, das palavras, das infinitas combinações sintático-morfológico-fonético-semânticas.
Há poesia em tudo e, principalmente, nas nulidades e despercepções. Por que, então, retirá-la da vida? Do cotidiano? Por que, então, não falar poeticamente – nem que seja de vez em quando – para sair da rotina comum dos dias? Por que não ser poético? Por que não reparar nos detalhes imprescindíveis que nos cercam? Somos seres de poesia!
É muito silêncio
enquanto as flores não crescem
e os poetas dormem”.
 “Há poesia
na dor
na flor
no beija-flor
no elevador” 
(Oswald de Andrade)
“Que o poema venha armado
e metralhe a sangue-frio
palavras flamejantes de revolta”. 
(Oubí Inaê)
“E ser artista no nosso convívio
Pelo inferno e céu de todo dia
Pra poesia que a gente não vive
Transformar o tédio em melodia”. 
(Cazuza)
“Sou extremamente sincero com a poesia
invento a cada momento
uma verdade vadia”. 
(Aroldo Pereira)
“Um poema como um gole d’água bebido no escuro.
Como um pobre animal palpitando ferido.
Como pequenina moeda de prata perdida
Para sempre na floresta noturna”. (Mário Quintana)



“Poesia é negócio de criança ou de louco ou
            de bêbado”. (Manoel de Barros)
“O poema é uma pedra no abismo,
O eco do poema desloca os perfis:
Para bem das águas e das almas
Assassinemos o poeta.” 
( Mário Quintana)                 
“Um poema sem outra angústia que sua misteriosa
                                                           condição de poema.
Triste.
Solitário.
Único.
Ferido de mortal beleza”. 
(Mário Quintana)

“Sangro todos os meses sobre o papel
passo um rol de letras miúdas à máquina
lavo vírgulas, costuro parágrafos
varro apenas o sentido vão.
Não há razão de sobra e palavra
que eu não lavre a penas.
Não bordo senão o texto encardido.
pés no chão.”                                  
(Maria das Graças Simões)

A traduzir coleções e pequenos furtos...

Para a coleção ser completa,
Às vezes é preciso cometer alguns crimes.
Eu, bailarina no chão encantado da vida
Entre o encontro do fugaz e o eterno
A bailar
A bailar
No ir e vir
         Do encontro
Desencontro
Colecionando saberes de não saber.

Já colecionei pedrinhas de rio quando era criança. Que raciocínio infantil era aquele em achar que eu poderia ter todas as pedrinhas do rio? Eu gostava de ficar olhando o formato que tinham. As cores, os tons. Desde cedo eu possuía um gosto por belíssimas insignificâncias. Moravam universos naquelas formas duras que só eu conseguia ver.

Gosto de colecionar olhares.
Guardo em mim cada expressão
Fico a admirar por horas um brilho:
Ali existe vida, vida que nunca termina,
Vida que dispensa palavras.

Guardei comigo teu olhar alegre
Como também o sombrio.
O teu olhar poético
Em que dizias metáforas bonitas
Totalmente sem palavras.
Às vezes um galope me furta da realidade
Aí então sou asas no vento anulando pensamentos...
Às vezes u’a melodia me furta em cordas
Então sou toda poesia extravasando sentimentos...

Certa vez furtei versos.
Péssima ladra: na distração de meus furtos
Não percebia a alma sendo roubada.
Depois que acordei já não mais sabia o que era meu
E o que não mais era.
Meu ato ilícito custou-me caro.

Não costumo colecionar objetos, eles ficam velhos e antiquados.
Às vezes, pego umas palavras soltas ao ar,
Acredito nelas, penso nelas, vejo o encanto delas,
Então, não sendo minhas, passam a me possuir.
Entalho-as de alguma forma que não compreendo em meus pensamentos.
É engraçado que elas não ficam velhas, nem passadas.
Depois de tempos... como dias ou alguns meses,
Percebo que elas se desprendem da minha mente,
Debruçam sobre meu peito, apertando-o,
E aí meus olhos procuram em que depositá-las.

Às vezes acho que eu coleciono palavras.

As mesmas sempre são novas e seus sabores variam com o tempo...
As doces, amargam. As amargas, tornam-se especiarias. As ásperas, amadurecem.
Com o tempo, as palavras – as mesmas palavras – mudam de tonalidade e forma
Uma coleção sempre renovada.

Receio que meu maior crime fora não ter cometido crime algum.
Paradoxo desse mundo estranho em que vivo:
É ilícito cometer crime,
Mas, se não há crime,
Não há perdão.
Roubei um pedaço de tua voz
- pequeno, não te inquietes... –
Às vezes, em dias de solidão,
Costumo soltá-la ao vento,
Daqueles que passam mansos
Em ondas, carregando poeira.
            Aí ouço, entre os assobios assombrados dos ventos
            A tua voz, na vibração do meu pensamento
            Escuto teus risos e o som do vento me envolve
            Os braços leves do vento me abraçam e sussurram
            Em meus ouvidos as vozes de toda uma natureza
            Que te traz pra mim, a tua voz tem cheiro de alegria.

Roubar uma flor de jardim alheio dá a ela um aspecto de conquista, porque roubar uma flor de jardim alheio é antes do ato ilícito a conquista que ela – a flor – faz na alma humana. Uma vez conquistado, o sujeito a prende delicadamente firme entre os dedos e a arranca em pequeno ímpeto do chão. Após o desmatamento do jardim alheio, corre-se a levá-la viva, com raízes à mostra e folhas murchamente amedrontadas. Ah... mas a rapidez do ladrão é vital. Chega ao terreno, prepara a terra, aduba a terra, assenta os pés delicados da plantinha na terra, molha a terra... e se olha. Sentindo-se segura, a flor começa a sorrir timidamente a partir do caule ainda meio mole horas depois... Dias depois ela está viçosa e desabrocha... Lindamente. Um na alma do outro, furtados...
por Elayne Amorim

Poema desgovernado de uma alma feminina

Dia internacional da mulher.
Se fosse fazer um poema... seria um poema infinito. Porque ser mulher é ser bem mais. E nem tanto assim, porque parece que o mundo cobra, o mundo sempre cobra de nós, desafiando a natureza de que somos feitas. Num mundo em que Deus é definido como O Deus – o masculino, em que o homem é O Garanhão da espécie – o varão e já que queres ser como nós, faze bem feito.
Não. O fato é que o ser mulher foi deixado de lado por tanto tempo e fora ela a que alimentou, a que educou, a que curou, a que orou, a que olhou com olhos ternos e cultivou em si uma coisa louca chamada paixão...
Por que – tu deves te perguntar leitor – por que esta mulher está a falar dessas coisas em pleno século XXI? E eu, humildemente, poderia responder-te: é porque ainda hoje olhos atravessados nos observam; alguns nos temem enquanto outros nos sequestram, caladamente, e nos mantêm prisioneiras, como antigamente... Mentira? Queria eu que fosse mentira... mas a mulher resguarda em si um algo misterioso e incompreensível que fascina e ofusca a razão, que embeleza e amedronta.
Acho a mulher um ser fascinante, oblíquo e livre; curioso, determinado e corajoso. Ser mulher é ser bem mais. E nem tanto assim... somos selvagens, simplesmente indomáveis...
Seria bom que a mulher pudesse ser
A mulher.
O ser de curvas provocantes em que o Criador delineou bem mais
Que a costela de um homem.
Seria bom que a mulher pudesse ser moderna
Mas não máquina
Que cumpre todas as tarefas, todos os horários, com todos em casa, na rua,
No trabalho.

Seria bom que a mulher pudesse ser o ser
Inteligente que é.
E assim ter o seu valor reconhecido não por fazer algo como um homem faz,
Mas porque ela escolheu fazer e faz por seu próprio mérito.
Seria bom que a mulher pudesse parar de cobrar
Seu espaço onde
Até bem pouco tempo era negado.

E deixar-se...
E soltar-se...
Porque ser mulher é indefinível,
Difícil de traduzir como qualquer outro ser humano.

Aí penso naquelas violentadas
Seja em sua carne, seja em sua alma.
Naquelas que sofrem por seus filhos
Naquelas que inda não descobriram
O brilho de um carinho de verdade.

Naquelas vendidas e maltratadas
Naquelas que escolheram, estranhamente,
Serem traídas e enganadas.
Porque não basta ser feminista com a dignidade roubada.

Seria bom ver a mulher tal como ela é, tal como a natureza a fez:
Forte, sensível, bruxa, encantadora, santa, louca
Discreta de olhar escandaloso
Perspicaz a caminhar por entre flores
Incansavelmente criativa
Mansa, mas jamais domesticada.

Se um momento dela exige, a fera que é brota do seu interior
No mais, a faceirice de que também é composta torna-se visível.
E todas as mulheres do mundo formam essa alma feminina
Há tantos séculos ferida, castrada, reprimida
E ainda hoje,
Talvez, sutilmente, ainda tentem segurá-la
Iludindo-a ao que lhe é superficial
A alma feminina sempre quer mais, muito mais...

Que ser objeto
Que dá conta de tudo
Que é forte e chora no escuro
Que suplanta um sonho em nome do outro

Se tantas foram as conquistas, o que se perdeu no caminho
E que não deveria ter sido perdido?
Intuição de mulher não erra
Por isso já fora queimada
O que estará a queimá-la viva nos dias de hoje?

Porque a alma feminina quer sempre mais...

É livre para poder ser...
Para poder sonhar...
Tudo se torna mágico ao seu tocar...

Não fosse assim, por que então, anjo demoníaco, tentador
Toda a natureza se curva ao teu caminhar...?
Não fosse assim, por que então, mulher, Deus te criou?
Não fosse assim... todo um mundo ainda não se levantaria contra ti...
Musa severa, mãe esplendorosa, poetiza arrebatadora!

Mulher... é só mais uma palavra perdida no vocabulário,
Só mais um nome... um signo...
Para nomear o que não pode ser nomeado nem limitado.

Mulher... sê apenas o que és!

por Elayne Amorim

"A noite esclarece o que o dia escondeu"


Sim, sempre. O dia esconde muitas coisas, muitos sentimentos, muitos desejos. Escondeu a canseira do olhar, escondeu a distração de uma lembrança, escondeu o arrependimento momentâneo. A noite, fascinante e bela, nos desperta para aquilo que temos medo de olhar, de ouvir, de relembrar. A quietude dos seres diurnos, dos carros passando na rua, de um som alto no ônibus... a quietude nos provoca, nos intima: e aquela dor? E aquele sonho? E aquela pessoa? A noite revela sombriamente um tempo fora do tempo – um quando em que se passam imagens e sons mudos na forma de slides e vemos o passado e o futuro juntos, projetados no presente. A noite é sinônimo de mistério. Os seres bizarros vivem em nosso imaginário noturno, e eles não são belos sugadores saídos das telas dos cinemas ou dos livros, somos nós mesmos. Nossos medos aumentados, nossos arrependimentos imperdoáveis, nossos sonhos ridículos jogados num canto da consciência. A noite revela o silêncio. E o silêncio revela.  Sem TV. Sem rádio. Um diálogo, talvez, sobre o dia, sobre os acontecimentos do dia. Uma taça de vinho. E lembranças, passadas, futuras. As mãos que dedilham as teclas do computador, hesitantes, são vorazes ao falar do que ninguém sabe. A loucura mora na noite. Algo, como que incontido, domesticado, fica submerso nas máscaras diurnas, porém, à noite, essa coisa toma forma, essa coisa cobra. O que o dia escondeu? Muitas coisas. Muitas. Quem estaria acordado para compartilhar das mesmas perguntas que ninguém faz? Quem, que louco, insano, des-atento estaria adentrando a noite só para pensar um pouco no dia, na vida, em tudo o que se passou e tudo o que não se sabe que está por vir? Senta-te à varanda de tua casa, de teu apartamento, de teu quarto. Sente a brisa passar a mão fria pelo teu rosto, a mão fria da noite. Olha o nada diante de ti, a escuridão que se perde onde teus olhos não alcançam. É lá que estás. É lá que estão. Porque trazes também em teu peito essa coisa de querer, de procurar, de insistir, de deixar enlouquecer de vez, mesmo que tudo pareça caminhar ao contrário de ti. Tens essa coisa presa em teu âmago, porém, te ligas demais aos sons que tentam abafar o silêncio; te ligas demais às imagens que se projetam à mente; te ligas demais àquilo que te leva pra longe de ti. Adentre a noite, deixa-a revelar-te os segredos que trazes. É aterrador, é lindo.
Daqui, uma linda lua crescente se delineia no céu repletamente estrelado e faz calor. Uma bela noite para ser vivida em toda sua escuridão...
 por Elayne Amorim