Muita
chuva ao anoitecer. A luz vai embora. Em meio às rajadas fortes de vento o
único barulho é o da chuva forte. Um silêncio engraçado invade a casa. Como
estamos presos à tecnologia, aos sons elétricos, à luminosidade branca das
lâmpadas. Neste silêncio molhado enquanto anoitece um confortável desconforto
vai remontando peças antigas. Hoje estou para lembranças, não sei por quê.
A
chama da vela tremelica saltitante e cria imagens na sala, como se os móveis
envolvidos na penumbra dançassem, de um lado para o outro. Depois para: fica
imóvel, totalmente, como se o pequeno fogo estivesse congelado.
Momento
bom para conversar. Brincar de criar bichos com as mãos refletidos na parede.
Rir de coisas que só conversamos quando a luz vai embora. Ou então, ficar
atento, muito atento, a histórias de assombração. Alguém sempre fica com medo e
alguém sempre goza com a cara daquele amedrontado.
A
falta de luz elétrica nos faz viajar no tempo, no tempo em que ela não existia
e então a gente se questiona de como seria se ficássemos sem ela? Hoje em dia?
Mas
é engraçado, anoitece totalmente. A chuva vai diminuindo, diminuindo... e aí o
silêncio vai se ampliando. A luz da vela agora é forte e de repente, todos
estão calados, esperando. Alguém faz um barulho com a boca, tipo um póc-póc e
todos olham e riem. Ainda é cedo para ir se deitar. Havia um gato miando lá
fora; parou.
Não
fosse por todos os motivos óbvios, a luz da vela seria bem mais atraente.
Elegante, formando camadas de parafina como se vê nos filmes. Revela o brilho
das molduras dos quadros, dos objetos de metal, o brilho das retinas das
pessoas. Dá vontade de recitar um poema ultrarromântico. Beber um gole de
vinho. Namorar na penumbra de um século distante.
E
a criatividade vem vindo, como se fossem lembranças. A imaginação revela a
humanidade, esconde aquela rotina elétrica de todo dia. Um vento sopra e mexe
as cortinas. Parece mágico, é como se...
De
súbito, um som aponta nas caixas uivando baixo e grosso e luzes brancas se
acendem em cômodos vazios. Quase todos gritam êêê, um cauteloso (ou pessimista)
diz calma, pode ser alarme falso. O mundo criado se desmorona, se apaga no meio
de tanta luz e sons.
Eu
me vejo ali, parada, como se tivesse sido resgatada do passado e me tivessem
posto num futuro estranho. Os brilhos se desfazem, meu poema se rasga, minha
garrafa desaparece, quebra-se o encanto do meu namoro. O que era real? Em
quando estive naquele momento?
Ainda
chove, mas agora é brando. Tudo volta ao normal. Quase tudo volta, ao normal.
por Elayne Amorim
Um comentário:
Quem disse que na luta entre luz e trevas, devemos sempre estar ao lado da primeira. Lindo, lindo, lindo...
Postar um comentário