Houve um tempo em que
a minha janela se abria para um chalé. Na ponta do chalé brilhava um grande ovo
de louça azul. Nesse ovo costumava pousar um pombo branco. Ora, nos dias límpidos,
quando o céu ficava da mesma cor do ovo de louça, o pombo parecia pousado no
ar. Eu era criança, achava essa ilusão maravilhosa, e sentia-me completamente
feliz.
Houve um tempo em que
a minha janela dava para um canal. No canal oscilava um barco. Um barco
carregado de flores. Para onde iam aquelas flores? Quem as comprova? Em que
jarra, em que sala, diante de quem brilhariam, na sua breve existência? E que
mãos as tinham criado? E que pessoas iam sorrir de alegria ao recebê-las? Eu
não era mais criança, porém minha alma ficava completamente feliz.
Houve um tempo em que
a minha janela se abria para um terreiro, onde uma vasta mangueira alargava sua
copa redonda. À sombra da árvore, numa esteira, passava quase todo o dia
sentada uma mulher, cercada de crianças. E contava história. Eu não a podia
ouvir, da altura da janela; e mesmo que ouvisse, não entenderia, porque isso
foi muito longe, num idioma difícil. Mas as crianças tinham tal expressão
no rosto, e às vezes faziam com as mãos arabescos tão compreensíveis, que eu
que não participava do auditório imaginava os assuntos e suas peripécias e me
sentia completamente feliz.
Houve um tempo em que
a minha janela se abria para uma cidade que parecida feita de giz. Perto da
janela havia um pequeno jardim quase seco. Era uma época de estiagem, de terra
esfarelada, e o jardim parecia morto. Mas, todas as manhãs, vinha um pobre
homem com um balde e, em silêncio ia atirando com a mão umas gotas de água
sobre as plantas. Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual, para
que o jardim não morresse. E eu olhava para as plantas, para o homem, para as
gotas de água que caíam de seus dedos magros, e meu coração ficava
completamente feliz.
Às vezes abro a
janela e encontro o jasmineiro em flor. Outras vezes encontro nuvens espessas.
Avisto crianças que vão para a escola. Pardais que pulam pelo muro. Gatos que
abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais. Borboletas brancas, duas a duas,
como refletidas no espelho do ar. (...) Às vezes, um avião passa. Tudo está
certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino. E eu me sinto completamente
feliz.
Mas, quando falo
dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de cada janela, uns dizem
que essas coisas não existem, outras dizem que essas coisas só existem diante
das minhas janelas, e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar, para
poder vê-las assim.
Cecília Meireles
Cecília Meireles
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